É que o amor é um
dos poucos eventos que mesmo não envolvendo drogas, álcool ou filmes
artísticos, consegue transformar o sentido de coisas básicas do tipo pare, siga
e atenção. ‘Não’ é dado como um sim porque dar sim assim meio de cara seria
desvalorizar-se a ponto de suscitar um não. ‘Talvez’ é tipo um “faça mais um
pouco que eu vou ficar ali na sombra tomando limonada e te vendo encher
carroças de feno o dia todo em quanto penso em nós dois e faço uma análise
extensa que contempla como ficaríamos de branco na foto de perfil do facebook
no próximo réveillon, se eu vou querer te emprestar todos os meus dvds e quem
vai deixar nossos possíveis filhos na escola e tudo isso porque eu não quero
ferir teu coração logo de cara e te ver enchendo carroças de feno é bacana,
você fica másculo assim todo suado debaixo desse sol tropical e a propósito a
resposta é não, não vai rolar, não daríamos certo juntos, a limonada acabou e
tenho que ir embora porque já está tarde. E até mesmo quando ‘sim’ na verdade é
um não porque um sim dado assim de cara é a coisa mais suspeita do mundo e vai
te deixar tão impressionado a ponto de desistir.
A impressão que fica
é a de que todos estão sempre jogando, talvez para tentar se valorizar, de
repente para tornar o processo mais eficiente, mas o que dá para notar de cara
é que tem algo errado. Primeiro porque é bacana tentar vender uma imagem
coerente ou bem intencionada de si mesmo, mas do momento em que começamos a nos
podar ao ponto de esconder certos gostos, suprimir certas tendências e hábitos,
aí se perde a naturalidade e está na cara que o navio naufragou. Porque veja bem,
a ideia de uma cara-metade deveria ser a de alguém ao seu lado que te complete,
que você se sinta a vontade para dividir todo o pedaço de vida que passar ao
lado dela, um relacionamento onde um não tenha medo de abrir a porta da
geladeira da casa do outro ou de mostrar o alienígena que seus pais estão
criando no porão.
Segundo, porque
ninguém tem bola de cristal e essa tendência de agir de forma controversa não
faz o menor sentido. O que se vê por aí é tanta gente querendo que você leia
entrelinhas e o tempo todo, mas nem todo mundo é bom com charadas. Eu
particularmente acabo com o bonequinho inteiro desenhado na forca, mesmo que a
palavra em questão seja o meu próprio nome. E imagino que existam várias
pessoas assim. Não dá para entender certas atitudes, as pessoas são um eterno mistério
e nunca saberemos ao certo o que se passa na mente delas, de modo que sempre
será desconhecido justamente o quanto elas estão tentando chamar a atenção, o
quanto estão jogando, o quanto estão se importando, se estão se importando. Temos
a natural impressão de que somos protagonistas do universo e soma-se a isso um
mundo onde a tal da atenção é algo tão banalizado que não necessitamos sequer
de forçar a memória para saber que alguém está fazendo aniversário. Está aí a
receita para passarmos batido por algo ou alguém que estejamos procurando há
muito tempo. Seja como for e lançando mão de tradutores do Google, caixinhas de
formiga, bolas de cristal, charadas e jogos de forca, a única certeza que tem é
que relacionamentos são complicados e que são complicados porque envolvem
pessoas. Imagino que um dia relações humanas irão virar uma disciplina obrigatória
em todos os cursos de todas as universidades, mas vai se tornar aquela matéria
chata que você odeia não por desinteresse, mas por sair do curso sem entender
nada sobre e que ainda vai reprovar no mínimo umas três vezes até encontrar um
professor que passe a turma inteira.