domingo, 31 de março de 2013

Feriados E Toda a Diversão Que Podemos Ter Com Eles


    Feriado. Aquele botão vermelho e piscando no seu calendário. Breve clarão de esperança, coragem e fé nos momentos em que seu chefe está te roendo o juízo, a condução está presa no congestionamento ou aquele professor que costuma faltar aulas e está muito atrasado acaba aparecendo no fim do corredor, contrariando expectativas e transformando tudo num misto de dor, incompreensão e entrega de notas baixas de provas que você nem lembrava ter feito.
  O mais interessante ao se deparar com feriados, é o quanto nos planejamos para eles. Viagens são projetadas, matérias de estudo com certeza vão ser postas em dia, seriados de três temporadas com 20 episódios cada serão assistidos, visitas a parentes que você nem lembrava existirem são viabilizadas. Todo o problema com o trabalho é empurrado à força para depois. Segunda é um dia distante demais de uma vida demasiado curta e o feriadão é o momento de diversão e alívio de problemas que dura o bastante para jamais ter fim.
  E então chega o dia. A data vermelha do calendário, mesmo não sendo domingo. Você acorda às 12, abre a porta da frente a tempo de ver um homem adulto de 100 quilos pular de uma picape para dentro de uma piscina infantil. O ar cheira como se tivesse acabado de cair uma chuva torrencial de cerveja. A trilha sonora faz jus ao quadro quase apocalíptico que se forma. Tudo assusta bastante e a melhor alternativa é dar meia volta e se trancar no seu quarto até a tormenta passar. E aí descobre que seus parentes que não lembrava mais existir não só lembram da sua existência, como irão passar o fim de semana prolongado em sua casa, dormindo no seu quarto e ocupando o computador que você iria usar para assistir ao seriado. É o momento que nos consolamos com a justificativa mais nobre possível, de que com toda essa avalanche de acontecimentos, não haverá um modo viável de estudar. O que realmente é lamentável.
    Até que por mais etílico e surreal que esses dias sejam, chega o domingo. E poucas coisas são mais doloridas que um domingo que encerra um feriado prolongado. Todo o seu mundo cai, o cara de 100 quilos está estirado no meio do tapete da sua sala, roncando como um motor de bomba de poço. Como ele chegou até sua casa é ainda um mistério e como ele vai embora é apenas mais uma interrogação a divagar nesse mundo surreal. Os parentes (que por sinal só pretendiam ficar até sábado) resolvem ir só segunda de manhã. Você acaba tendo que ver o Faustão fazendo suas fantásticas tiradas sobre feriado, enquanto oscila sua vontade entre cortar os pulsos e amarrar uma pedra na canela ao mergulhar na piscina infantil. Enquanto isso, lembra dos cinco relatórios que enfiou na gaveta e da reunião mensal sobre o uso consciente de copinhos de café, em que terá de apresentar o gráfico de consumo de copos do último triênio, que aliás, faz parte dos relatórios que você não leu e enterrou no fundo daquela gaveta. Fica provado que feriados nem sempre são a melhor ideia e dias comuns de semanas comuns transcorrem tão mais calmamente. Agradecimentos por amanhã ser segunda. E é nesse momento que você se levanta e vai até a parede da cozinha procurar por outro feriado. Vai entender o ser humano. 

domingo, 24 de março de 2013

Sobre Acasos, Destino E Cocô de Cachorro Na Calçada


   
  Existem coisas que não costumam acontecer com muita frequência, mas poderiam ocorrer o tempo inteiro e  caso levássemos em consideração não viveríamos em paz com nós mesmos, da possibilidade de uma bigorna cair do alto de um prédio em nossas cabeças a você sair bocejando na fotografia do Google Street View, passando pela certeza de que somos movidos por uma série de eventos que em primeiro momento aparentam ser aleatórios, mas percebemos depois, desempenham um papel decisivo no nosso dia ou em uma perspectiva maior, em toda a nossa vida.
  Embora pensar sempre nisso não nos deixaria dormir direito, o fato é que não somos nada além de um aglomerado de ações as quais não damos a devida atenção, porque até certa instância não nos levariam a nada em especial. E assim pisamos em cocô de cachorro na rua, sentamos na mesa perto da saída na lanchonete, paramos por 30 segundos para amarrar o sapato, perdemos uma aula para ficar conversando pelos corredores, vamos para a aula após feito um imenso esforço para chegar no horário e constatamos que foi o professor quem faltou para ficar de conversa pelos corredores (sistema público de educação tem de tudo), perdemos a hora, olhamos para o lado. Cada ação desencadeia uma nova gama de situações que vão muito além de voltar para casa e pesquisar na internet como limpar um sapato branco todo sujo de cocô.
  Tudo é algo muito maior, existe uma ligação entre os fatos que discorrem em nossa vida e que até então eram aleatórios. O que faz dois carros colidirem numa avenida movimentada além de seis cervejas, muita pressa e o medo de que aquele velhinho de muletas do outro lado da rua atravesse correndo e te assalte? O que faz com que duas pessoas que nasceram em lugares diferentes, cresceram em cidades diferentes e estudaram em locais diferentes desenvolvam um gosto tão parecido para certas coisas? O que faz com que elas se encontrem nesse imenso e confuso jogo de videogame que é a vida? O que faz com que o velhinho de muletas esteja casado há 50 anos? O que faz com que ele esteja usando muletas?
  São perguntas que muitas vezes nem paramos para nos fazer, ou que limitamos a resposta a “sorte e azar”, como se tudo fosse assim jogado no cassino, mas a verdadeira explicação na realidade ninguém pode dar. O fato é que existe uma força que mantem tudo funcionando e faz com que nem todo mundo do bairro vá até a padaria no domingo á tarde, porque se fossem a loja seria incendiada (nunca entendi porque as pessoas ficam tão agressivas na fila da padaria aos domingos). A mesma força que faz com que nem todo mundo queira ir ao cinema no mesmo dia e horário, a não ser claro, que seja estreia de alguma saga crepuscular.
  Existe algo muito maior e do qual o dia de hoje é só parte do processo. Um processo que se faz com o fim de relacionamentos duradouros, eliminações em semifinais, anos desperdiçados em empregos ruins e senhoras de meia-idade passeando com poodles sem carregar sacolas para o cocô, sendo essa última parte a mais sacana da longa teia de acontecimentos ao qual nos vemos envolvidos e que mesmo que ainda não tenhamos percebido, nos levará a novas situações. 

domingo, 17 de março de 2013

Sobre Falta de Ideias, Obituário e o Novo Papa


  Hoje não tive ideias para escrever. Pensei em escrever sobre o papa, mas aí abri os portais de notícia e vi algo sobre o time de coração dele, sobre o nome dele, sobre a infância dele, sobre a caligrafia dele, sobre o sapato dele e parei de ler antes que desse com a opinião do novo papa acerca da transição dos contatos do Mensseger para o Skype, então seria mais um texto boiando por essa rede a fora. Pelo menos serviu para perceber que vou precisar de algo para fazer a noite, porque não vai dar pra assistir Fantástico ou Domingo Espetacular hoje, não mais que dez minutos. E só para deixar bem claro, nada contra o homem, só contra a mídia que adora exageros.
  O que pude notar é o quanto somos movidos a ideias. E o quanto as ideias são movidas a experiências. Por hora a fonte secou e resolvi soltar a imaginação para falar da falta desta. Não deu. Escrever é ter o que contar e não tenho feito mais que ir e vir, sem sair do lugar. Não tenho muito de novo para dizer. Amar, se aventurar, odiar, aprender. Nada disso, acho que as engrenagens quebraram pelo uso excessivo. O que tenho feito foi sonhar acordado e às vezes um pouco dormindo, algo que nem faz sentido de se referir aqui, uma vez que não gravo bem o que sonho, mesmo quando acordado. 
  Me sinto como um redator de obituário em plena Gotham City que o Batman libertou enfim, do crime organizado. Nada de extra para contar, um mundo hipotético tão triste quanto feliz. No fim somos movidos a descontentamentos, a quedas que nos fazem levantar, a lutas que muitas vezes perdemos e digamos que o Batman acabou com tudo isso. Posso imaginar que mesmo ele deva estar em crise nesse momento. Zonas de conforto não são assim tão divertidas, parece até um joguinho de video game que você conseguiu jogar até o fim. Perde metade da graça que tinha no começo.
  Esse não é um texto que as pessoas vão ler e dizer que gostaram. Não irão se enxergar nas histórias, nas desventuras, nas conotações. Até porque isso não é muito bem um texto. É apenas escrever. E escrever no fim é sempre algo para si e não para os outros. E enquanto escrevo isso, vou procurando um alfinete. Hora de estourar essa bolha. O confortável está me gerando um tremendo desconforto. 

domingo, 10 de março de 2013

Sobre A Combinação Perfeita Que Nunca Encontramos


    Um traço constante á natureza humana é a eterna insatisfação. Temos a capacidade de modificar sempre nossa condição e utilizamos isso para adaptar a realidade em que vivemos ao nível que precisamos ou achamos que precisamos, para pintar muros de paredes com as cores mais absurdas possíveis e ao que parece, para criar grades de programação dominicais cada vez mais difíceis de serem assistidas na tv. Lógico que há embutido nesse processo de descontentamento frequente uma tentativa de otimizar, fazendo mais e melhor, mas que acaba sempre sendo distorcida para atender aos nossos gostos. É assim com pastéis, é assim com técnicos de futebol, é assim com as aulas da faculdade ou da escola, é assim com seu trabalho, com as cores de parede da casa da sua tia e é assim com o amor.
  Estamos sempre buscando a combinação perfeita, como algo pré-existente e feito por encomenda. A certeza de um universo que funcione mais ou menos a sua maneira é tentadora e ter uma pessoa ao seu lado que compartilhe dos mesmos gostos, das mesmas formas de enxergar o que acontece ao nosso redor e do mesmo medo patológico em relação a palhaços é um sonho que transforma tudo em um plano hipotético. É preciso abandonar a ideia de que você vai encontrar a mulher da sua vida quando num dia nublado acaba tendo que ir ao supermercado, mas ao sair de lá percebe uma chuva torrencial, fica embaixo da marquise esperando a tormenta passar quando de repente sente algo molhando seus pés. Se dá conta de que está em um local seco e que portanto, não pode ser a chuva. Olha para baixo e vê um porquinho na coleira urinando seus pés, com a pata traseira levantada como um cachorro. Fica indignado, mas ao olhar para o lado vê que a dona do animal é a garota mais linda que você viu na vida e que traja uma camisa estampada com a frase “tenho medo de palhaços” e uma foto do Selton Mello caracterizado naquele filme embaixo do dizer. E é preciso abandonar essa ideia porque não chove torrencialmente há muito tempo , a possibilidade de que uma garota crie um porquinho como animal de estimação é mínima e porcos provavelmente não urinam como cachorros levantando a pata traseira.
  Seres humanos são imprevisíveis, carregam sua própria filosofia sobre o que é certo e errado, seus próprios traumas e seu próprio posicionamento sobre questões que envolvem a cor verde-limão e jogos de cama mesa e banho. Nenhum relacionamento humano persiste sem concessão, sem que sejam feitos ajustes, sem que certos aspectos sejam compreendidos ou ao menos tolerados. E logo o amor não seria exceção.  Pessoas não são fabricadas em linhas de montagem, não são feitas assim aos pares e depois largadas nesse mundo louco para então iniciar uma frenética procura pelo outro que as completa. No fim o que vai determinar uma relação a dar certo é a predisposição a se tentar, o quanto podemos ser flexíveis e o quanto estamos dispostos a nos doar, afinal são os “dispostos que se atraem”.  Temos sempre a tendência de quantificar e qualificar tudo o que nos rodeia, para que possamos rotular e definir prioridades, tudo assim meio mecânico e frio. E quando uma coisa sai do plano previsto, por vezes deixamos de lado, sob pretexto de não ser uma combinação correta, mal sabendo que a combinação certa pode nunca existir, porque ela não é para ser encontrada, tem de ser produzida com um pouco de dedicação e da tal disposição, possivelmente sem porquinhos e sem o Selton Mello para auxiliar esse processo.

domingo, 3 de março de 2013

A Mentira Enquanto Elemento Desencadeador Das Relações Sociais Ou O Dia Em Que Eu Parei De Acreditar Em Velhinhos Nas Filas De Supermercado


  Uma das coisas mais marcantes acerca da mentira é que ela é tudo o que você precisa para criar o universo que quiser, provocar a impressão que desejar e conseguir o máximo de atenção em filas de supermercado. A mentira, diferente de outras drogas, dá liberdade de imaginação sem te tirar de um estado de quase sobriedade. Talvez o Spielberg precise saber disso.
  Apesar de ser um ponto negativo nessa sociedade onde as informações viajam mais rápido do que nosso filtro do que realmente é real e onde pessoas ainda clicam nos anúncios de “parabéns você foi o 1.000.000.000.000 visitante da nossa página, clique aqui e ganhe um iPhone”, a verdade é que mentiras acabam por desencadear relações sociais. E a forma mais simplória de se exercer interação a custa de uma mentira é matando gente famosa. Porque quando ainda é segunda-feira no trabalho, você não aguenta mais olhar pra cara de ninguém, todos trabalham nos seus devidos lugares em silêncio até que alguém ergue a voz e diz que deu no twitter que Arnold Schwarzenegger morreu, todos observam o efeito da interação social que a tal mentirinha desencadeia, culminando na proposta de se formar uma comitiva para ir até o gestor pedir para encerrar o expediente mais cedo, afinal não é todo dia que o Schwarzenegger morre e ainda pode dar tempo de assistir a “Um tira no jardim de infância”.
  Uma pessoa aparentemente idônea consegue abrir portas com mentiras, o que torna o mundo um lugar difícil para se viver e território de desconfianças frequentes, onde nos vemos obrigados a duvidar da autenticidade de contas do Compadre Washington no facebook e até mesmo de velhinhos em filas. Porque a partir do momento em que você se vê a mais de meia-hora numa fila de um supermercado, desligado do universo e tendo como companheiro apenas um simpático e honesto idoso na fila ao lado da sua, cujo o branco de sua cabeça sugere uma decência e honestidade de quem está a anos “trabalhando nessa indústria vital” a qual chamamos de Terra e que não faria mal a ninguém, ergue a voz e diz a você (mas naquele tom de quem quer que todos escutem) que o Raimundo Fagner morreu, que tem certeza disso e inclusive tem um amigo que trabalha com ele que confirmou hoje de manhã e passamos a ver o supermercado todo parar, princípios de incêndio começando no setor de higiene e limpeza e vidraças quebrando na entrada, até que todos percebem que isso não passou de uma mentira, fica realmente complicado continuar vivendo em um planeta assim.
  Claro que mentir é uma coisa praticamente inevitável, formas brandas de mentiras, embora não seja o proceder mais correto segundo a cartilha dos bons costumes, são inevitavelmente ditas e evitam muitos conflitos, como quando você responde que vai bem mesmo se não estiver quando alguém te pergunta ou naquele momento em que sua vizinha quer saber se a tosa do poodle dela ficou bonita e você prefere dizer que sim quando na verdade achava que aquilo realmente fosse um rato e já estava se preparando para espantá-lo da sua calçada, mas existem tipos de mentira intoleráveis e formas de se faltar com a verdade que apenas não tem uma razão de existência e que te deixam com um pé atrás com a sociedade e com anciãos em filas de supermercado. Aí fica difícil. E só para constar, essa foto da postagem é do Fagner. De verdade.