domingo, 28 de abril de 2013

Sobre Rotinas, Robôs e Pessoas No Trabalho Que Não Conhecem a Invenção dos Fones De Ouvido


  Uma coisa que a humanidade aprendeu a fazer foi sistematizar. Sistematizamos para garantir o mínimo de contratempos, de falhas, de parafusos fora do lugar. Sistematizamos para que no fim do semestre sejamos reprovados por nota e não por falta, porque ao que parece o coeficiente de rendimento cai menos. Até a morte funciona assim, do Holocausto na Segunda Guerra às filas dos hospitais públicos, das esteiras das fábricas onde os trabalhadores morrem lentamente montando peças que nem sabem para que servem à pinga boliviana que o seu Zé vende no boteco dele, que deve realmente ser uma ferramenta de extermínio, afinal quando a bola sai no meio do jogo de futebol, você nunca ouve o cara da publicidade dizer nada sobre cachaça da Venezuela, ou passa por um anúncio de beira de estrada com o Evo Morales segurando uma garrafa.
  Sistematizando estabelecemos uma rotina. A eterna queda de dominós diária, na qual a primeira peça que empurramos é o ato de arremessar o celular na parede por ter despertado assim tão rápido e que leva a um conjunto de outras ações que se não forem seguidas dentro de um padrão podem culminar com você correndo atrás de um ônibus no meio da chuva com uma camisa branca toda suja de café, mesmo que não goste de café.
  Rotinas são importantes. O mundo viraria uma bagunça bem pior do que um cara todo sujo de tinta dançando quadradinho em cima de uma picape parada em frente a um posto de combustíveis. Quando sabemos o que temos de fazer, podemos nos planejar para que tudo que está previsto para acontecer aconteça e assim, garantir que consigamos chegar em casa no fim do dia odiando quem come cheetos de queijo dentro do ônibus com ar-condicionado, mas ainda sim com a cabeça em cima do pescoço e em plenas condições de arremessar o que sobrou do celular na parede novamente quando o sol raiar no outro dia.
  O problema disso tudo é a tendência que a rotina nos impõe de parecermos cada vez mais com robôs. E que autômatos mais frágeis nós somos. Adoecemos mais fácil do que uma máquina que queima um circuito, com um conserto por vezes muito mais demorado e trabalhoso. Temos sentimentos para dosar. Sentimos raiva, alegria, fome (não que fome seja exatamente um sentimento), vontade de escrever um aviso numa cartolina e colar na cabine do colega de trabalho ao lado pedindo por favor que o mesmo compre um fone de ouvido que faça com que só ele e não a sala toda tenha que ouvir a coletânea de Summer Eletrohits todo dia, embora para fazer o cartaz eu teria que passar pelos corredores com a cartolina debaixo do braço e eu acho que ele é muito amigo do cara que tem as gravações do circuito interno de segurança. Sentimos medos, frustrações, traumas. Muitas coisas se somam nesse turbilhão de ideias que é a mente humana e que vão de algum modo interferir na rotina que a queda de dominós deu início quando o dia começou.
  A rotina também traz com ela uma certa dificuldade com eventos inesperados. E assim tudo vai transcorrendo como o habitual na sua manhã até que você distraído pisa com o sapato novinho em um cocô que espera de coração, seja de cachorro, descobre que comprou biscoito integral para o lanche sem se dar conta disso e além de ser mais caro acha que o pessoal não vai gostar, conhece pessoas de todo tipo, cai de avião próximo a alguma ilha deserta e distante da civilização, descobre o que te faz falta. Temos então de usar toda nossa capacidade de adaptação, temos uma nova rotina a estabelecer e com a qual brigar e que brigamos por valer a pena o resultado final, seja ele sobrevivência ou um sapato que não cheire a cocô. Por isso a vida deve ser feita de rotinas, rotina para se seguir e rotina para fugir. Porque se não for assim, vou preferir ser o C3PO e ficar escondido em algum planeta deserto, sem o boteco do seu Zé por perto para fazer seresta até as 3 da manhã do domingo e sem o cara dos fones de ouvido na cabine do lado.

domingo, 21 de abril de 2013

Sobre Timidez, Descascadores de Legumes E O Princípio Básico da Comunicação


  “O princípio básico é a comunicação”. E comunicar-se é em tese um processo simples. Gestos, palavras, comerciais ruins e textos de blogs sem nenhum temática bem determinada deveriam bastar para que nossa mensagem seja emitida e aceita pelo receptor. E com a linha de comunicação uma vez estabelecida, não há problema que não seja contornado, vontade que não seja compreendida e descascadores de legumes com 7 funções que não possam ser vendidos por aqueles camelôs, embora nesse ponto em especial a comunicação talvez falhe, porque eu nunca entendi as seis outras coisas que um descascador pode fazer além de descascar legumes.
  E tudo vai muito bem nessa sociedade interligada, que se comunica e divide experiências, até que você precisa sair de dentro do seu quarto e enfrentar o mundo lá fora, os motoristas de ônibus chatos, os professores que mesmo na faculdade vão até sua cadeira para ver o que você está fazendo e descobrem que ao invés de um plano de produção, tem várias e várias partidas de jogo-da-velha no seu caderno e colegas que riem de você por apresentar um seminário ruim, embora você tenha estudado bastante e saiba mais que qualquer um sobre o assunto.
  Você é uma pessoa esperta, racional e plenamente apta para enfrentar o mundo lá fora, mas fica tudo meio embaraçado pela timidez. Timidez tem seu aspecto positivo, é algo charmoso e difícil de se encontrar nessa sociedade onde muita gente prima por raspar as laterais da cabeça no zero e usar óculos que se utilizados como guarda-sol, poderiam abrigar uma família de quatro pessoas na praia em um dia quente. A questão é o quanto deixamos de nos expressar e de agir por conta dessa tal timidez. Essa sociedade que teoricamente baseia-se na comunicação não vai entender quando você gaguejar e esquecer o próprio nome em uma apresentação formal, que vai deixar as perguntas do professor serem respondidas por ele próprio, apesar de que você mesmo sabe todas as respostas, que vai te fazer deixar de reclamar quando pedir um pastel de frango e te mandarem um de camarão, ainda que você seja alérgico a camarão.
  Ser tímido faz com que muita coisa fique por dizer, ou pior, que seja dito errado. E assim, você de um leque imenso de possibilidades de iniciar uma conversa, só consegue dizer que viu um carro da Funerária Poupa Urna (porque realmente existe uma funerária com esse nome), leva falta porque não respondeu alto o suficiente o professor na hora da chamada e deixa de dizer o que sente por pura timidez. E muitas vezes encontramos do outro lado pessoas que tem um modo similar de comportamento, transformando tudo numa espiral infinita de cenas de feno rolando no deserto, o que torna a comunicação algo a ser trabalhado.
   Então por mais que seja difícil gritar quando perder o único ônibus no raio de 2 km que pode te levar pra casa, por mais complicado que seja dizer o que se pensa quando temos a certeza de que vale a pena, por mais complicado que possa ser ter aulas de inglês que te obrigam a falar uma língua estranha com pessoas que você só vê duas vezes por semana, devemos ir contra esses medos, começar a expor o que precisamos, perder o receio de acertar e de errar e principalmente de comprar aquele descascador de legumes. Esses pequenos instantes de hesitação guardam para si novas realidades, assim não tem jeito, é inalar essa bombinha de asma a qual chamamos de coragem e ir pra chuva se molhar, afinal, “é preferível a coragem a omissão”. 

domingo, 14 de abril de 2013

Do Conceito de Civilização e Dúvidas Acerca dos Parâmetros Medidores de Felicidade


  
Há quem diga que somos civilizados. Nos organizamos em Estados e eles fazem guerra. Inventamos aviões de controle remoto e eles evoluem até virarem armas. Criamos músicas e nos aparecem quadradinhos de 4, 8, 12, até parece comercial de sapataria no fim do ano. Criamos o cinema e aparecem remakes cada vez piores de bons filmes. Criamos sistemas produtivos que alimentariam os seres humanos da terra com sobras e no entanto milhões de pessoas padecem de fome todo ano. É, realmente somos muito civilizados.
  Caminhando por aí dá pra perceber o quanto tudo fica cada vez mais difícil. Quando vemos o motorista do ônibus brincar de molhar os pedestres que passam perto das poças d’agua, ainda sugestionado pelos amigos que dizem “molha aquele cara ali passeando com o poodle”, você percebe o quanto a humanidade vai mal. As pessoas perdem cada vez mais o senso de comunidade, ter a minha calçada inclinada para meu carro entrar na minha garagem é o que importa, logo não existe mais calçada nivelada. Cinco minutos de atraso são traduzidos como falta imperdoável, não importa o que passamos para chegar, o quanto corremos para que o atraso tenha sido só de cinco minutos. As pessoas iniciam relacionamentos para tentar suprir suas próprias carências e não estão preparadas para aceitar a aversão do outro a refresco em pó de uva. Tudo assim, tão individualista, onde o que não me serve não é bom o suficiente e deve ser deixado em segundo plano, mesmo que importe para outras milhares de pessoas.
  Daí eu vejo essa sociedade, onde crianças cospem nas cabeças de tiozinhos carecas da janela da sala de aula, onde cachorros são abandonados em estradas, onde torcer por times de futebol é motivo de morte e velhinhas não só recusam a sua gentileza de carregar as sacolas até o outro lado da avenida movimentada como saem gritando que você é o cara que roubou o celular do neto dela. Daí eu penso nas aldeiazinhas da Polinésia, onde não chegou o celular, não chegou a televisão, não chegou a energia elétrica. E penso que junto com tudo isso, também estão longes os golpes de dentro dos presídios, o Domingão do Faustão, as armas de fogo. Alguns dos povos considerados os mais felizes do mundo inteiro tem que andar quilômetros carregando um cesto com excrementos humanos nas costas. E nós aqui, vivendo em meio a civilização, preocupados em não deixar sobra de comida no prato pra não pagar mais caro no self-service, tentando lembrar onde estacionamos o carro e sem saber que horas vamos conseguir chegar em casa com esse trânsito.
  Por tudo isso, provavelmente estejamos indo mal. Embora não dê pra generalizar essa grande bola de problemas que é a humanidade, há certos pontos que a modernidade mais ajuda que atrapalha. E enquanto existirem pessoas que param o carro para você passar em ruas movimentadas, mecânicos que não trocam a rebimboca da parafuseta a não ser que seja realmente necessário e serviços de assistência técnica que realmente aparecem dentro do horário previsto, ainda há esperança, embora sejam peças cada vez mais raras de se ver, quase folclóricas. E eu também serei agradecido a esse modelo civilizatório que não me deixa andar 5 quilômetros com um cesto de excrementos, porque na boa, não precisa medir a felicidade por aí. 

domingo, 7 de abril de 2013

Sobre Medo De Tentar, Traumas E Mula Sem Cabeça Feita de Jornal


  Todos temos nossos próprios medos. Medo de tentar, medo até de conseguir, de se arriscar, de ter que fazer outro trabalho vestido de mula-sem-cabeça em trajes de jornal, de se apaixonar, de perder dinheiro, de ir jantar com colegas e perceber que eles saíram correndo na hora de pagar a conta, medo de que você não tenha recursos suficientes para sair dessa sozinho porque seu medo anterior de perder dinheiro se realizou. E é tanta coisa para assustar que dá medo até de ter medo.
  Uma parte disso vem de um desejo de auto proteção, afinal o mundo está ficando um lugar complicado de se viver e todo aquele blá blá blá coberto de razão que a gente sempre fala quando vê alguém arremessar uma garrafa pet cheia de urina num velhinho bêbado ziguezagueando a rua e praguejando com o amigo invisível dele em voz alta, faz sentido e nos faz redobrar cuidados.  Mas uma outra parte disso se origina justamente dos nossos traumas, das nossas experiências negativas, dos nossos desacertos, daquela vez em que eu fiquei em casa ao invés de ir pra aula do professor que sempre falta e ele não só apareceu como também aplicou uma prova surpresa muito fácil. Somos assim, dados a avaliar nossos históricos e pesar acontecimentos tentando sempre gerar um ciclo de repetição constante. E é justo daí que vem as maiores perdas, os maiores enganos, que deixamos de viver novos grandes momentos. Perdemos de conhecer continentes para ficar dando voltas no riacho perto de casa com nossas naus.
  Porque ao iniciarmos uma empreitada rumo ao desconhecido, podemos de fato terminar jogados aos tubarões ao sermos surpreendidos em um motim no meio da noite, existe sim a chance de pegar escorbuto ou de perder metade dos dentes devido a alguma febre tropical, afinal isso acontece o tempo todo. Mas em contrapartida a tudo isso, existe a possibilidade também de descobrirmos novos paisagens, ter novas vivências e descobrir um pessoal humilde e ingênuo a ponto de trocar coisas legais por um punhado de espelhos (a sacanagem que fizeram com os índios deixamos para outra postagem histórica mais a frente).
  O fato é que viver tem desses dois lados. Experiências ruins estão sempre a nos rodear como fantasmas, nos impedindo de ver a real dimensão do que poderíamos ter conseguido ao tentar, tudo em nome de uma comodidade por vezes tão incômoda. Realmente é preferível a coragem a omissão, mas às vezes a gente custa bastante a reunir a tal coragem suficiente para sair do que nos assusta. E era isso que devia assustar.
  Então, por mais que caravelas afundem, por mais que certas ideias muito boas tenham se tornado fiascos completos, por mais que assistir Ted no cinema tenha sido um dos maiores prejuízos financeiros que eu tive com filmes na minha vida, nada pode ser contado como motivo para deixarmos de fazer, ou de refazer se for o caso. É preciso lutar contra o que nos assusta. E tia Vilma, na boa, um dia desses vai ser você quem vai derreter dentro de uma roupa de jornal em alguma semana cultural sobre folclore porque essa vida é louca e incerta. E eu vou estar lá. Sem ressentimentos.