Todos temos nossos próprios medos. Medo de
tentar, medo até de conseguir, de se arriscar, de ter que fazer outro trabalho
vestido de mula-sem-cabeça em trajes de jornal, de se apaixonar, de perder
dinheiro, de ir jantar com colegas e perceber que eles saíram correndo na hora
de pagar a conta, medo de que você não tenha recursos suficientes para sair
dessa sozinho porque seu medo anterior de perder dinheiro se realizou. E é
tanta coisa para assustar que dá medo até de ter medo.
Uma parte disso vem de um desejo de auto
proteção, afinal o mundo está ficando um lugar complicado de se viver e todo
aquele blá blá blá coberto de razão que a gente sempre fala quando vê alguém
arremessar uma garrafa pet cheia de urina num velhinho bêbado ziguezagueando a
rua e praguejando com o amigo invisível dele em voz alta, faz sentido e nos faz redobrar cuidados. Mas uma outra parte disso se origina justamente dos
nossos traumas, das nossas experiências negativas, dos nossos desacertos,
daquela vez em que eu fiquei em casa ao invés de ir pra aula do professor que
sempre falta e ele não só apareceu como também aplicou uma prova surpresa muito
fácil. Somos assim, dados a avaliar nossos históricos e pesar acontecimentos
tentando sempre gerar um ciclo de repetição constante. E é justo daí que vem as
maiores perdas, os maiores enganos, que deixamos de viver novos grandes
momentos. Perdemos de conhecer continentes para ficar dando voltas no riacho
perto de casa com nossas naus.
Porque ao iniciarmos uma empreitada rumo ao
desconhecido, podemos de fato terminar jogados aos tubarões ao sermos
surpreendidos em um motim no meio da noite, existe sim a chance de pegar
escorbuto ou de perder metade dos dentes devido a alguma febre tropical, afinal isso acontece o tempo todo. Mas em
contrapartida a tudo isso, existe a possibilidade também de descobrirmos novos
paisagens, ter novas vivências e descobrir um pessoal humilde e ingênuo a ponto
de trocar coisas legais por um punhado de espelhos (a sacanagem que fizeram com
os índios deixamos para outra postagem histórica mais a frente).
O fato é que viver tem desses dois lados. Experiências
ruins estão sempre a nos rodear como fantasmas, nos impedindo de ver a real
dimensão do que poderíamos ter conseguido ao tentar, tudo em nome de uma
comodidade por vezes tão incômoda. Realmente é preferível a coragem a omissão,
mas às vezes a gente custa bastante a reunir a tal coragem suficiente para sair
do que nos assusta. E era isso que devia assustar.
Então, por mais que caravelas afundem, por mais
que certas ideias muito boas tenham se tornado fiascos completos, por mais que
assistir Ted no cinema tenha sido um dos maiores prejuízos financeiros que eu
tive com filmes na minha vida, nada pode ser contado como motivo para deixarmos
de fazer, ou de refazer se for o caso. É preciso lutar contra o que nos
assusta. E tia Vilma, na boa, um dia desses vai ser você quem vai derreter
dentro de uma roupa de jornal em alguma semana cultural sobre folclore porque
essa vida é louca e incerta. E eu vou estar lá. Sem ressentimentos.
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