Há quem diga que
somos civilizados. Nos organizamos em Estados e eles fazem guerra. Inventamos
aviões de controle remoto e eles evoluem até virarem armas. Criamos músicas e
nos aparecem quadradinhos de 4, 8, 12, até parece comercial de sapataria no fim
do ano. Criamos o cinema e aparecem remakes cada vez piores de bons filmes.
Criamos sistemas produtivos que alimentariam os seres humanos da terra com
sobras e no entanto milhões de pessoas padecem de fome todo ano. É, realmente
somos muito civilizados.
Caminhando por aí dá
pra perceber o quanto tudo fica cada vez mais difícil. Quando vemos o motorista
do ônibus brincar de molhar os pedestres que passam perto das poças d’agua,
ainda sugestionado pelos amigos que dizem “molha aquele cara ali passeando com
o poodle”, você percebe o quanto a humanidade vai mal. As pessoas perdem cada
vez mais o senso de comunidade, ter a minha calçada inclinada para meu carro
entrar na minha garagem é o que importa, logo não existe mais calçada nivelada.
Cinco minutos de atraso são traduzidos como falta imperdoável, não importa o
que passamos para chegar, o quanto corremos para que o atraso tenha sido só de
cinco minutos. As pessoas iniciam relacionamentos para tentar suprir suas
próprias carências e não estão preparadas para aceitar a aversão do outro a
refresco em pó de uva. Tudo assim, tão individualista, onde o que não me serve
não é bom o suficiente e deve ser deixado em segundo plano, mesmo que importe
para outras milhares de pessoas.
Daí eu vejo essa
sociedade, onde crianças cospem nas cabeças de tiozinhos carecas da janela da
sala de aula, onde cachorros são abandonados em estradas, onde torcer por times
de futebol é motivo de morte e velhinhas não só recusam a sua gentileza de
carregar as sacolas até o outro lado da avenida movimentada como saem gritando
que você é o cara que roubou o celular do neto dela. Daí eu penso nas
aldeiazinhas da Polinésia, onde não chegou o celular, não chegou a televisão,
não chegou a energia elétrica. E penso que junto com tudo isso, também estão
longes os golpes de dentro dos presídios, o Domingão do Faustão, as armas de
fogo. Alguns dos povos considerados os mais felizes do mundo inteiro tem que
andar quilômetros carregando um cesto com excrementos humanos nas costas. E nós
aqui, vivendo em meio a civilização, preocupados em não deixar sobra de comida
no prato pra não pagar mais caro no self-service, tentando lembrar onde
estacionamos o carro e sem saber que horas vamos conseguir chegar em casa com
esse trânsito.
Por tudo isso,
provavelmente estejamos indo mal. Embora não dê pra generalizar essa grande
bola de problemas que é a humanidade, há certos pontos que a modernidade mais
ajuda que atrapalha. E enquanto existirem pessoas que param o carro para você
passar em ruas movimentadas, mecânicos que não trocam a rebimboca da parafuseta
a não ser que seja realmente necessário e serviços de assistência técnica que
realmente aparecem dentro do horário previsto, ainda há esperança, embora sejam
peças cada vez mais raras de se ver, quase folclóricas. E eu também serei
agradecido a esse modelo civilizatório que não me deixa andar 5 quilômetros com
um cesto de excrementos, porque na boa, não precisa medir a felicidade por aí.
Nenhum comentário:
Postar um comentário