Todo mundo adora
histórias. História pra contar e para ouvir, assim prontinha, de quem fez e viu
coisas que você não sonhava existir, que existiram mas que você não vivenciou,
ou que são difíceis de acreditar, tipo aquela vez que o amigo do seu avô disse
ter visto um chupa-cabra em cima de uma mangueira chupando manga. Além de
vegetariana a criatura deve ter poderes místicos ou então estava acompanhada de
algum ser da floresta, como a Caipora, porque nem estava no tempo da manga.
Mas história é
história. E quem as vivenciou, ou ao menos teve criatividade suficiente para cria-las,
hoje não passa de um vovozinho simpático, que a conta e reconta entre netos,
alguns poucos interessados e parentes que só vê no Natal, pessoas que talvez
nem seja mais capaz de reconhecer. Só que todos esquecem que entre colírios e
fixadores de dentadura, os velhos de hoje foram os jovens de ontem. Que aquele
velhinho que hoje sai de casa uma vez por mês e que passa por você na rua, pode
ter sido um campeão de boxe, pode ter lutado na Segunda Guerra, pode ter
salvado o mundo pelo menos umas três vezes antes mesmo de você pensar em
existir, mas hoje é apenas uma figura certa no canto da sala, uma preferência
na fila da farmácia.
O fato é que os
velhinhos de hoje foram jovens há 50 anos e outros foram jovens antes deles. E
foram nas pequenas e nas grandes coisas que eles deixaram seu legado. Hoje sua
tia avô pode não ser a mesma bela visão em trajes de banho na praia, mas ela
pode ter sido a primeira no bairro a realizar a proeza de vestir um maiô na
juventude dela. O tiozinho que mora no outro lado da rua pode muito bem ter
sido o primeiro a ter a ideia de comprar o ingresso do cinema e passar o dia na
sala de exibição, para assistir vários filmes pagando pelo preço de um, mesmo
que olhando para ele hoje, pareça mais que ele entrou na caravela errada e veio
parar aqui. Para o bem e para o mal e para o mundo como conhecemos, foram esses
feitos hoje insignificantes que fizeram as coisas caminharem, antes de tudo
virar uma enfumaçada lembrança em preto e branco.
O que acontece
quando as teias do Homem-Aranha não puderem mais mantê-lo pendurado nos prédios
por aí, quando a armadura do Homem de Ferro enferrujar junto com suas
articulações, quando o Batman descobrir que aquela voz estranha que ele tinha
era na verdade uma doença de garganta que ele deveria ter tratado ainda na
juventude? Provavelmente irão para um canto da sala, em um asilo ou em casa de
parentes, virar um artigo de zoológico, visto uma vez por ano, nas férias da
escola dos netos.
Por isso nunca deixe
de olhar um velho com respeito, mesmo que ele tente te agredir com a muleta
durante uma crise de ciúme por você ter ajudado sua esposa de 85 anos a
atravessar a rua. Nunca deixe de enxergar nele o brilho e o peso de ter vivido
muitos anos a mais do que você e de ter visto e feito coisas que você não
poderá fazer. E nunca deixe de tentar entende-lo, mesmo que a história do
chupa-cabra na mangueira seja bem difícil de aceitar, sério.
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