domingo, 14 de julho de 2013

Novas Reflexões Sobre Velhice, Legado E O Que Acontece Quando Tudo Fica Preto E Branco


    Todo mundo adora histórias. História pra contar e para ouvir, assim prontinha, de quem fez e viu coisas que você não sonhava existir, que existiram mas que você não vivenciou, ou que são difíceis de acreditar, tipo aquela vez que o amigo do seu avô disse ter visto um chupa-cabra em cima de uma mangueira chupando manga. Além de vegetariana a criatura deve ter poderes místicos ou então estava acompanhada de algum ser da floresta, como a Caipora, porque nem estava no tempo da manga.

  Mas história é história. E quem as vivenciou, ou ao menos teve criatividade suficiente para cria-las, hoje não passa de um vovozinho simpático, que a conta e reconta entre netos, alguns poucos interessados e parentes que só vê no Natal, pessoas que talvez nem seja mais capaz de reconhecer. Só que todos esquecem que entre colírios e fixadores de dentadura, os velhos de hoje foram os jovens de ontem. Que aquele velhinho que hoje sai de casa uma vez por mês e que passa por você na rua, pode ter sido um campeão de boxe, pode ter lutado na Segunda Guerra, pode ter salvado o mundo pelo menos umas três vezes antes mesmo de você pensar em existir, mas hoje é apenas uma figura certa no canto da sala, uma preferência na fila da farmácia.

  O fato é que os velhinhos de hoje foram jovens há 50 anos e outros foram jovens antes deles. E foram nas pequenas e nas grandes coisas que eles deixaram seu legado. Hoje sua tia avô pode não ser a mesma bela visão em trajes de banho na praia, mas ela pode ter sido a primeira no bairro a realizar a proeza de vestir um maiô na juventude dela. O tiozinho que mora no outro lado da rua pode muito bem ter sido o primeiro a ter a ideia de comprar o ingresso do cinema e passar o dia na sala de exibição, para assistir vários filmes pagando pelo preço de um, mesmo que olhando para ele hoje, pareça mais que ele entrou na caravela errada e veio parar aqui. Para o bem e para o mal e para o mundo como conhecemos, foram esses feitos hoje insignificantes que fizeram as coisas caminharem, antes de tudo virar uma enfumaçada lembrança em preto e branco.

  O que acontece quando as teias do Homem-Aranha não puderem mais mantê-lo pendurado nos prédios por aí, quando a armadura do Homem de Ferro enferrujar junto com suas articulações, quando o Batman descobrir que aquela voz estranha que ele tinha era na verdade uma doença de garganta que ele deveria ter tratado ainda na juventude? Provavelmente irão para um canto da sala, em um asilo ou em casa de parentes, virar um artigo de zoológico, visto uma vez por ano, nas férias da escola dos netos.
 
 Por isso nunca deixe de olhar um velho com respeito, mesmo que ele tente te agredir com a muleta durante uma crise de ciúme por você ter ajudado sua esposa de 85 anos a atravessar a rua. Nunca deixe de enxergar nele o brilho e o peso de ter vivido muitos anos a mais do que você e de ter visto e feito coisas que você não poderá fazer. E nunca deixe de tentar entende-lo, mesmo que a história do chupa-cabra na mangueira seja bem difícil de aceitar, sério. 

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