Não pelas dez horas
de viagem que parecem intermináveis. Não pelas dez horas de viagem que parecem
mais intermináveis ainda porque alguém quis ir o percurso inteiro ouvindo a
discografia da Paula Fernandes sem fone de ouvido. Não pelas lanchonetes de
rodoviária que tentam te vender um pacote de clube social por R$ 6,50. Não por
alguém que tenta embarcar no ônibus com 100 reais de camarão em um isopor.
Viajar é algo diferente do habitual porque é quando deixamos nosso modo de vida
cotidiano, nossa rotina por vezes tão exaustiva e aquela mania de olhar as
horas no celular a cada 2 minutos e esquecer que horas eram apenas para nos
distrair, conhecer novos lugares ou relembrar os antigos e é claro para ver a
sua tia, mesmo apesar dos seus dezenove anos e barba na cara te mandando sair
da cozinha e ir brincar com as outras crianças.
E o que mais me
fascina nessas ocasiões em que podemos viajar, é a chance de observar a vida
passando, o tempo que parece correr de um modo diverso do nosso, as pessoas com
preocupações tão diferentes, as cidades com ruas que talvez nunca saberemos o nome e com candidatos
a vereador chamados “Prato de Papa”, sério tem um político por aí com esse
nome. Por uma mochila nas costas e sair (ainda que se estiver acompanhado de alguma
mulher, quer seja sua mãe, sua namorada ou sua irmã, não importa, pois elas
irão levar o triplo de coisas que uma pessoa é capaz de usar mesmo considerando
uma enchente, um tornado e um apocalipse zumbi, vão voltar com o dobro da
bagagem e vai sobrar para você ter que carregar isso tudo) é uma oportunidade
única para dar uma chance ao que realmente importa. Se entender melhor, ouvir
os sons da natureza, quem sabe se decidir a levar uma nova vida. Ir a algum
lugar e achar nele o que uma pessoa precisa para ser feliz, para constituir uma
família, para mudar de nome e passar a se chamar Frederico Augusto. Ou apenas para dar uma relaxada, uma respirada, renovar as baterias e mudar
de ares.
Temos sempre o hábito de viver de modo tão atribulado,
sempre às voltas com as preocupações que escolhemos ter que terminamos por esquecer as coisas mais
simples, como o sol nascendo ou se pondo, um céu bonito numa noite estrelada,
um banho de chuva, uma boa conversa sem preocupação com o tempo. Assumimos uma
identidade robotizada, onde os caixas da loja de departamentos são capazes de
te deixar ir embora depois de quinze minutos na fila sem levar o produto
simplesmente por não ter troco, sem tempo para pensar e apenas em prol da
sobrevivência pela sobrevivência. E eu aqui pensando que o ser humano havia evoluído
e criado toda a estrutura moderna que dispomos justamente para viver mais e
melhor, com mais tempo para tentar ser feliz. Isso faz pensar que mais
tranquilo e sábio era o homem das cavernas, que mesmo por necessidade e não por
opção vivia viajando. Desse modo, quer seja em busca de fogo, quer seja apenas
por um pouco de paz, viajar é uma daquelas coisas que todo mundo precisa fazer
de vez em quando. Mas se for de ônibus não tente levar camarão. Dá uma confusão
feia. E não esqueça o fone de ouvido.
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