O mundo vem se tornando
a cada dia um lugar mais e mais hostil. Há medo nas ruas, raiva nos locais de
trabalho e preocupações cerradas na mente de cada pessoa. E tudo isso intercalado
com congestionamentos, ônibus lotados, alguém discutindo com o cobrador, a mãe
do motorista sendo xingada, seja ela quem for. E dependendo da sorte do dia
(aos que acreditam em sorte), com trilha de alguma engaiolada do funk ou de
bandas de forró em músicas sobre alcoolismo e um medo patológico de que a
polícia apreenda seu paredão de som automotivo.
Exceto pelo infeliz
que não conhece a invenção dos fones de ouvido e longe de ser justificável,
essa conduta é ao menos explicável. No fim, o que todos querem é proteger a si
mesmo e aos seus, em meio a essa imensa selva de concreto que obriga cada um a
seguir seu próprio olho e seu próprio dente. Embora isso seja um problema se você
tem problemas de visão ou se acabar seu fixador de dentadura.
E no meio de tudo
isso, esquecemos que as pessoas são essência. E que são essencialmente feitas
de histórias, que todos carregam e que às vezes sentem necessidade de
compartilhar com alguém ao seu redor.
Desse modo, aquele
homem que desceu da condução em que estava, cabeça enfaixada, se arrastando
sobre um pedaço de papelão, parou em frente a um grupo de pessoas que
aguardavam o ônibus, começou a contar sua história. Tinha sotaque paulista,
falava bem e sobre muitas coisas. Imagino que talvez tudo o que ele queria era
ser ouvido. Mas acabou sendo ignorado, em parte pelo medo que nos ronda,
proveniente desse mundo que anda hostil, assim meio à Los Hermanos, em parte
por termos a tendência de nos trancarmos em nossa própria existência.
Por conta disso não
saberia dizer se proceder assim e recusar a história alheia, é certo ou errado.
Até porque não sei se existe certo ou errado quanto a isso. O fato é que o
homem tinha uma história para contar. Todos sempre tem uma história para
dividir, dos vendedores de moldura ao pessoal da igreja que bate na sua porta
domingo de manhã. Do Galvão Bueno (apesar de que realmente não saberia dizer se
estaria disposto a ouvi-lo) a senhorinha que sentou ao meu lado no ônibus e
passou boa parte do percurso contando a história da vida dela, apenas por me
achar parecido com o neto dela, mesmo enxergando com apenas 20 % da visão.
Mas quer escrevamos
em blogs, quer andemos pelas ruas passeando com um cachorro que usa sutiã na
cabeça, quer estejamos numa roda de amigos ou caminhemos pelo mundo sozinhos
usando dreadlocks e vendendo aqueles brincos legais feitos com penas, teremos
nossa própria peça teatral escrita e pronta para ser contada, embora muitas
vezes não haja plateia. Principalmente se tratando do Galvão Bueno, eu acho.
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