Ônibus lotado. Calor. Mulher com o plano infinito de ligações sentada ao fundo. Cheiro de suor. Também ao fundo um cara sentado no assento da janela, garrafa pet na mão. E nesse momento você percebe que já poderia estar ganhando seu próprio dinheiro, o suficiente para comprar seu próprio carro. Então se dá conta de que não tem sequer para a habilitação e que no momento só tem o dinheiro contado para a passagem e olhe lá, pois não está encontrando a moeda de um real que completa o valor. Nisso o ônibus já saiu da cidade. Existem coisas com as quais temos que nos acostumar. O Mano Menezes treinando a seleção, pessoas que homenageiam ex-presidentes decepando dedos mínimos. Médicos que decepam dedos por dinheiro. E ônibus lotados.
Acostuma-se também
com a intolerância. Mal a viagem havia começado, aprendi o nome do motorista. O
cobrador mandou Orlando abrir a porta do ônibus. Deixara uma velhinha embarcar
cheia de sacolas, mas deve ter achado que o pé da pobre tia já era peso extra,
porque fechou a porta praticamente na canela dela. Passado o primeiro ato, o
homem com a garrafa pet atira o plástico pela janela e acerta um carro. Buzinas,
automóvel vermelho ultrapassando o ônibus. Somente um ocupante no veículo. Ou ele
iria realizar um assalto ou dar carona ao cobrador, de tão lotado que estava aquele dia. Nenhum nem
outro. Fez o coletivo parar, saltou do carro e gritou para o Orlando,
perguntando quem tinha jogado a bendita garrafa. O motorista não só abriu as
duas portas do ônibus como ainda gritou que tinha sido do fundo do coletivo.
O homem do carro
desferiu alguns palavrões, o da garrafa se desculpou. O homem do carro disse
que daria um tiro no outro, o da garrafa mudou de cor pela terceira vez, limitando-se a gaguejar pedindo desculpas novamente. Depois fiquei sabendo que o homem do carro vermelho
era um policial da região, famosos pelo pavio curto. Foi embora, ficou tudo por
isso mesmo. O homem que jogou a garrafa provavelmente nunca mais fará isso, mas
não deixará de fazê-lo para salvar a natureza, ao menos não a do planeta. Vai deixar
de jogar lixo na estrada para salvar a sua própria existência, arrisco esse palpite. De todo modo,
naquele dia ficou provado que estamos sempre atirando fora garrafas e mais garrafas
de tolerância, com ou sem ônibus lotado.
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